Ficou claro nas linhas anteriores que o Tatuapé possuía poucas opções de lazer nos primeiros anos do século passado. As quermesses realizadas anualmente, por ocasião da comemoração dos dias dos santos padroeiros das diversas igrejas, eram as únicas exceções. Umas poucas horas de alegria em contraste com as muitas de intenso trabalho.
Mais ou menos pela mesma época, começavam a aparecer os primeiros clubes de futebol varzeano. Assistir as partidas disputadas entre eles passava a ser uma nova distração. Mas isto, bem entendido, só válido para os homens. Nem por sonho seria admissível a presença de mulheres nos campos. Estas, nos domingos pela manhã, horário principal da realização dos jogos, geralmente compareciam à missa em companhia dos seus pais.
Na Europa, em fins do século 19, surgia uma nova diversão: o cinema. Após um aparelho de limitados recursos, inventado por Tomas Edson, dois irmãos franceses, Auguste e Louis Lumière, inventam aquele que haveria de ser o maior e mais popular meio de promoção de espetáculos do século 20. Em 13 de fevereiro de 1895, patentearam seu aparelho, que ficou conhecido como Cinematógrafo Lumière. Meses mais tarde, exibiram os primeiros curta-metragens da história.
SÃO LUIS: O PRIMEIRO CINEMA DO TATUAPÉ
Nos anos finais da década de 20, surgiria o primeiro cinema do Tatuapé: o São Luis, na Avenida Celso Garcia, proximidades da Rua Ivai. As famílias do bairro, a partir daí, já passavam a ter um novo local para diversões. Era o tempo dos pastelões do cinema mudo. Brilhavam nas telas principalmente os cômicos: Carlitos (Charlie Chaplin), Buster Keaton, Ben Turpin e muitos outros. Da sala de espera, só se ouviam gargalhadas.
Exatamente na época em que o Cine São Luis começava a operar, a arte cinematográfica sofria uma grande revolução: estavam aparecendo os primeiros filmes falados.
O cinema mudo e seus maiores protagonistas lutavam para não submergir. Mas a novidade trazia uma inexorável realidade, não havia mais campo para o primeiro. Alguns artistas conseguiram se adaptar aos novos tempos, outros, simplesmente, desapareceram para sempre. Mas não só de sessões noturnas viviam as casas de espetáculos, a garotada também tinha seus direitos. Tinham início as ruidosas matinês.
A POBREZA DOS PRIMEIROS CIRCOS
Paralelamente ao Cine São Luis, diversos circos, vez por outra, eram montados nos muitos terrenos vazios do bairro. Nos primeiros tempos, circos mambembes, compostos de pequenos elencos de artistas de má qualidade. À falta de coisa melhor, as famílias acabavam por prestigiá-los. Paravam pouco tempo na região, duas ou três semanas no máximo.
Nem poderiam ficar mais, pois era pequena e pobre a população local e paupérrimos e limitados os programas apresentados por eles. Raros os circos que não traziam as lonas esburacadas; o tapete que cobria o picadeiro, manchado e enegrecido; os trajes dos elementos confeccionados em tecido da pior qualidade, tisnados de cores ridículas e berrantes. Lastimáveis as bandinhas que os acompanhavam.
Compostas de meia dúzia de elementos, emitindo sons desafinados, tocando em total desarmonia. Mais pareciam uma troupe de saltimbancos de séculos passados do que um elenco organizado do presente. Não eram melhores os parques de diversões que se aventuravam pela região.
Duas ou três barracas: a do quebra pires, a das argolas, a do tiro ao alvo; somadas a dois ou três aparelhos giratórios: carrossel, carrinhos e aviõeszinhos e nada mais. Alguma vez, um ou outro, cujo proprietário tinha maiores posses, trazia uma pequena roda gigante.
Outros, como o parque do palhaço Alegria, tinham um pequeno palco, no qual passavam peças teatrais curtas e alguns números de magia e malabarismo. Este homem e seus dois filhos levavam essa modalidade de divertimento em cidades do interior. Quando chegaram ao Tatuapé em vez de parque tinham um circo.

Dos anos 40 em diante, melhores companhias passaram a instalar-se no bairro. Um importante motivo levava a isso: a escassez de terrenos suficientemente grandes para essa finalidade nos bairros centrais da cidade. Nino Nelo e seu extraordinário elenco montam seu circo na Avenida Celso Garcia, um pouco abaixo do Cine São Luis. Ficam naquele ponto um bom número de meses. Era um circo teatro.
Esta modalidade tinha, além do tradicional picadeiro, um palco para a apresentação das peças teatrais. Nino Nelo tinha bons cantores, bailarinos, prestidigitadores e excelente elenco teatral. Muitos artistas saídos de sua companhia acabaram ingressando nas rádios ou nas emissoras de TV. Henriqueta Brieba, magnífica atriz de novelas da Rede Globo, começou com o saudoso Nino Nelo.
No início dos anos quarenta, nele se instala o pavilhão do cômico Simplício. Diferente dos tradicionais circos, este era uma edificação retangular com o teto em duas águas, as estruturas laterais e tesouras do teto em perfilados de ferro e totalmente fechado com chapas de alumínio.
Pelo seu tipo de construção era fácil deduzir que Simplício pretendia permanecer no local por muito tempo. Pois foi exatamente o que aconteceu, por um bom número de anos o extraordinário cômico lá apresentou suas deliciosas comédias. Quando seu elenco deixou o pavilhão, este foi ocupado por uma das numerosas seitas pentecostais existentes em São Paulo.
Surgia um novo cinema no bairro em meados de 1945: o São Jorge. Sua localização: Avenida Celso Garcia, desta vez próximo da Rua Antonio de Barros. O povo tatuapeense nestas alturas já contava com diversas opções de lazer: os dois cinemas, os circos, os parques de diversão, o footing, os jogos dos times da várzea e as sempre concorridas quermesses. Desde 1928, quando o Corinthians terminou seu estádio, já podiam ser assistidos jogos da liga principal.
Até pelejas de grande importância contra o São Paulo e o Palestra Itália às vezes eram disputadas lá. Também não podem ser esquecidos os bailes do salão Mil e Uma Noites e do Clube dos 40, além dos espetáculos encenados nos teatrinhos do salão paroquial da igreja do Cristo Rei e do Vila Azevedo.
Em 1945 começam as atividades de um pequeno cinema na Rua Serra de Japi, bem defronte da velha igreja de N. S. do Bom Parto. O nome: Cine Casp – iniciais do Centro de Assistência Social Paroquial -, pertencentes à igreja. Apesar de ser um pequeno cinema, em moldes amadores, teve seus dias de glória. É bom lembrar que os únicos cinemas existentes em toda a região eram o São Luis e o recém-inaugurado São Jorge, ambos na Celso Garcia, portanto longe dos moradores da Vila Gomes Cardim.
Fácil admitir que, mesmo em detrimento de uma melhor qualidade, os moradores do Alto Tatuapé o prestigiassem. Grande parte dos seus usuários contituía-se de chacareiros e trabalhadores braçais. Como não havia muita exigência quanto a indumentária, muitos deles chegavam a entrar de tamancos e até mesmo trajando macacões de serviço. Era também usual, com a sessão começada e o salão às escuras, algum retardatário entrar no recinto gritando o nome de um companheiro para sentar-se junto, após localizá-lo.
Mas voltando ao tal cinema, nele geralmente só eram exibidos filmes em preto-e-branco. Como a guerra terminara há pouco, vivia-se a fase neo-realista do cinema italiano. Além dos programas cinematográficos, às vezes eram encenadas peças teatrais no salão do Cine Casp. O povo da região pouco acostumado a esses eventos, nem sempre se portava educadamente. Claro que não todos, mas alguns mais arruaceiros gritavam ou interrompiam os espetáculos com piadas de mau gosto e mais do que isso, totalmente extemporâneas.
O resultado era constrangedor: os pobres artistas perdiam o ponto das deixas, por momentos ficavam perdidos, passando às vezes minutos para se reencontrarem. Aquelas situações eram a alegria dos galhofeiros e a irritação da maioria. Mas como tudo um dia termina, os dias do Cine Casp também chegaram ao fim, isto em fevereiro de 1953.
Poucos meses antes havia sido inaugurado o Cine Leste, na Praça Silvio Romero. Uma ampla e moderna sala de projeções que elevava o nível das casas de espetáculos do bairro. Entre outros, esse o principal foi motivo da queda nas rendas do Cine Casp.
Em 1954 surgia o Cine Aladim, Avenida Celso Garcia, bem próximo da Rua Tuiuti. Novamente na parte baixa do bairro. Alguns anos mais tarde era a vez do Japi, na Rua Emília Marengo, e Pagé, na Rua Azevedo Soares. Uma velha casa de espetáculos, o Cine California, funcionava havia anos na vila do mesmo nome, na esquina das Ruas Nova Jerusalém e Azevedo Soares.
De todas as casas citadas, hoje não resta uma sequer. Alguns dos seus proprietários, modernos Dom Quixotes, ainda teimaram em mantê-las vivas até umas três décadas atrás.
Hoje, o bairro possui 17 modernas salas de cinema instaladas nos Shoppings Centers. Isto, pela facilidade de estacionar e, sobretudo, pela segurança proporcionada. Claro que os tempos são outros, como também são outros os filmes e seus roteiros.
Os personagens bondosos, de moral acima de qualquer suspeita, os sábios, os pacificadores de outrora foram substituídos pelos exterminadores do presente e do futuro, mas… não importa, afinal tudo isso ainda é cinema. O nosso querido e imortal cinema!
Sensacionalllllll a reportagem