POR CAROLINE BORGES
Camila Morgado viu uma série de fatores coexistindo em prol de sua chegada ao elenco de “Renascer”. Após a bem-sucedida “Pantanal”, a atual novela das nove representava mais um encontro feliz da atriz com a obra de Benedito Ruy Barbosa adaptada por Bruno Luperi. Porém, além das parcerias de sucesso por atrás das câmeras, ela agarrou a chance de se experimentar em um novo local na tevê aberta na pele da submissa Dona Patroa. “É uma personagem muito caseira e normalmente não me chamam para personagens assim. Gostei de me verem agora de um outro jeito”, afirma.
Na história das nove, Dona Patroa, que na verdade se chama Iolanda, é mulher de Egídio, papel de Vladimir Brichta. Conservadora e submissa, ela é também uma mulher que teme pelas atitudes e grosserias do marido. E busca converter Egídio nas orações e na fé para endireitar seus tortuosos caminhos. “Aos poucos ela vai tendo uma visão mais progressista, o que marca a virada dessa mulher”, aponta.
P – Em 2022, você integrou o elenco de “Pantanal”, que também foi adaptada por Bruno Luperi. Como está sendo esse retorno ao universo das obras de Benedito Ruy Barbosa?
R – É sempre um prazer fazer uma novela como essa. O Benedito é um grande autor e o Bruno está sabendo adaptar como ninguém o texto dele. É um projeto muito legal para os atores, diretores e toda equipe. Os personagens são completos. Passam pela comédia e pelo drama. Não é um enredo focado em um único lugar. Temos arcos dramáticos muito grandes e complexos. O Benedito traz esse realismo fantástico. Tem a fantasia perto da realidade. O diabinho dentro da garrafa, por exemplo, é algo muito Brasil profundo. Bom ver nossas raízes nas telas.
P – Na primeira versão, a personagem Dona Patroa foi vivida por Eliane Giardini. Você chegou a conversar com a atriz sobre o remake?
R – Eu sou amiga da Eliane. Fui tão bem recebida por ela em “A Casa as Sete Mulheres”, minha primeira personagem na tevê. Quando soube que faria a Dona Patroa, que foi da Eliane na primeira versão, eu liguei para ela para pedir a bênção.
P – Você teve algum contato com a obra original ou preferiu não se influenciar pelo trabalho da Eliane?
R – Não foi uma novela que acompanhei na época. Mas vi um pouco no Globoplay. Mas não quis ficar muito presa ao que a Eliane fez. Porque estamos em 2024 e como seria essa Dona Patroa hoje? Ela passou por algumas mudanças.
P – Como quais?
R – O marido, Egídio, é um pervertido. Então ela sofre assédio moral e psicológico. É importante colocarmos isso. A Dona Patroa chega como uma cristã fervorosa. Ela acreditava que, pela questão da fé, iria conseguir mudar o marido. E tinha uma visão bem dogmática sobre as questões religiosas, mas aos poucos vai tendo uma visão mais progressista. Isso marca a virada dessa mulher até o fim da novela.
P – De que forma o texto da Dona Patroa foi atualizado?
R – Inicialmente, a Dona Patroa achava que tudo relacionado ao marido era culpa dela. Ela era uma crente fervorosa e achava que tinha de rezar mais para salvar o marido. Ela achava que estava orando pouco. É inacreditável saber que muitas mulheres ainda pensam assim nos dias de hoje. Li um livro chamado “O Grito de Eva”. Foi uma indicação do Bruno Luperi. Foi uma referência ótima para a construção da Dona Patroa. O livro fala sobre essa leitura conservadora da bíblia. No entanto, existem outras leituras mais progressistas, mais flexíveis.
P – Na sua visão, a personagem abre algum diálogo com o público sobre a temática feminina?
R – Totalmente. É uma personagem que passa por uma reflexão muito grande. Afinal, ela vive uma violência doméstica e não sabe. Começa a compreender no decorrer da história. Acho muito importante trazer esse debate tão atual para o horário nobre.
P – Nos últimos anos, você também voltou sua atenção para os streamings, integrando projetos na Netflix e Amazon Prime. Como tem sido esse equilíbrio de projetos dentro e fora da Globo?
R – Eu amo fazer novela. Faz parte do nosso universo, da nossa cultura. A gente é noveleiro. Todo mundo tem uma história para contar sobre alguma novela. É um lugar que gosto de estar sempre retornando. É muito legal fazer streaming, ser reconhecida fora do nosso país, mas é mais legal ser conhecida no meu país. Tenho muito orgulho de trabalhar aqui, fazer novela. Novela sempre foi um grande aprendizado para qualquer ator.
P – Como assim?
R – Sempre digo que todo ator tinha de fazer novela. Você ganha uma noção de agilidade e rapidez incríveis. Depois que você passa por uma novela, fica mais safo, sua elasticidade emocional cresce. É um trabalho pesado. A gente grava de segunda a sábado, quase 12 horas por dia. Digo que nosso trabalho é igual professor porque a gente leva o trabalho para casa. Tem texto para decorar no dia seguinte. Domingo de folga? Ninguém folga totalmente. É um trabalho desgastante para nós, atores, e toda a equipe, mas é muito legal. Amo fazer novela.
“Renascer” – Globo – Segunda a sábado, às 21h30.
Sentindo na pele
Camila Morgado precisou de um tempo para se adaptar ao ritmo de gravações de “Renascer”. Após o primeiro dia de trabalho na pele da dramática Dona Patroa, a atriz chegou em casa com diversas dores pelo corpo. “Cheguei destruída. Eu tinha muita dor na mandíbula porque tinha de fazer o sotaque baiano”, explica.
Ela, porém, começou a intensificar seus trabalhos de consciência corporal. “Já fui logo me alongando, né? Tenho muita disciplina. Uso aquelas bolinhas para tirar a dor. É engraçado como a gente começa um trabalho sem sabe onde vai dar. Vai conhecendo aquela energia do personagem”, aponta.
História real
Para Camila Morgado, a história de Dona Patroa joga luz em uma realidade presente em diversos lares brasileiros. A novela fala sobre o árduo trabalho das donas de casa. “Quantas mulheres cuidam da casa e da família e não ganham nada por isso? É muito pesado. É um trabalho que não é remunerado e nem reconhecido. É preciso falar sobre isso”, defende a atriz.